Ética e Humanismo
A reflexão ética acerca dos desafios criados pela inteligência artificial e pelas neurociências baseia-se na compreensão do que significa ser humano, ou seja, na noção de “humanismo”. No entanto, este conhecimento de base ainda não está disponível para poder servir de orientação ética. “Humanismo” ou “o que significa ser humano” são questões extremamente complexas na era das neurociências e da inteligência artificial.
A necessidade premente de envolver atores sociais
Como definir significados para “humano” ou “humanismo” suficientemente robustos para apoiar, de forma adequada, os esforços éticos? É muito claro que explorar a noção de humanismo requer a mobilização de especialistas académicos de muitos horizontes disciplinares (inteligência artificial, neurociências, antropologia, filosofia, ética, ciência política, economia, direito …). No entanto, esta conjugação interdisciplinar (entre académicos e investigadores), que constitui um desafio por si só, pode não ser suficiente. Na verdade, embora os contributos académicos sejam indispensáveis para pensar corretamente o humanismo na era das neurociências e inteligência artificial, não é possível excluir a relevância do senso comum e do ponto de vista da vida comum, nem o papel dos atores sociais.
- Refletir sobre o que significa ser humano na era das neurociências e da inteligência artificial também é uma questão política. Além de todas as questões técnicas e filosóficas envolvidas, também é uma questão relativa à maneira como queremos viver as nossas vidas. Uma abordagem puramente tecnocrática e académica não pode, sozinha, responder a uma questão política tão profunda. A reflexão social coletiva é imperativa.
- Perante questões do mundo real, regulações descendentes e abordagens tecnocráticas (mesmo admitindo que pudessem facultar, por si, a solução correta) confrontam-se frequentemente com falta de confiança e apoio sociais. O movimento francês “Coletes Amarelos” ilustra claramente as questões da legitimidade social da produção de conhecimento e da elaboração de políticas.
Em síntese, solucionar os desafios éticos levantados pelas neurociências e pela inteligência artificial exige que todas as entidades e atores sociais envolvidos tenham capacidades éticas fortes, baseadas numa compreensão clara do que significa ser humano. Ao demonstrar uma forte consciencialização ética e expetativas éticas, os atores sociais estão em posição de contribuir para mudanças na elaboração de políticas e na regulação ética, de apoiar os esforços políticos de regulação e de demonstrar empreendedorismo ético (sobretudo através das escolhas dos consumidores).
Reforço de capacidades éticas com o apoio de recursos académicos
O reconhecimento do papel indispensável dos atores sociais não significa que a compreensão explícita do que significa ser humano (com as expetativas e preferências éticas que daí decorrem) exista em todas as partes interessadas e esteja disponível para solucionar as questões sociais levantadas pela inteligência artificial e as neurociências. Pelo contrário, as capacidades éticas das entidades interessadas precisam de ser reforçadas, sobretudo através da elaboração de uma compreensão melhorada de nós próprios enquanto humanos. Nesta busca de uma melhor compreensão do humano, nem os especialistas (académicos) nem outros atores sociais interessados conseguirão atingir o objetivo sozinhos.
Aassim, para garantir o reforço de capacidades éticas em todos os atores envolvidos, é necessário colocar o conhecimento científico e académico ao serviço do questionamento social acerca do humanismo na era das neurociências e da inteligência artificial. Os especialistas académicos e científicos devem participar no reforço de capacidades éticas nas comunidades de entidades interessadas, com vista ao autodiscernimento ético.
A rede NHNAI ao serviço da reflexão social intercontinental
A rede NHNAI inclui universidades parceiras de oito países diferentes (Taiwan, Quénia, Chile, Estados Unidos da América, Portugal, Itália, Bélgica e França), mobilizando especialistas de vários campos de estudo (desde ciências computacionais às ciências sociais e humanas, filosofia e estudos religiosos). Em todos estes países, comunidades de entidades interessadas irão reunir-se para um esforço coletivo de reforço de capacidades éticas, através de uma reflexão partilhada sobre o que significa ser humano na era das neurociências e da inteligência artificial.
Comunidades locais de entidades interessadas em cada um destes oito países irão interagir com especialistas académicos da rede NHNAI, que congregam o conhecimento disponível nas suas disciplinas e o colocam ao serviço da reflexão social sobre o humanismo na era das neurociências e da inteligência artificial. Para limitar o risco de dispersão excessiva da reflexão e do debate coletivos, no primeiro ciclo de implementação (até agosto de 2025), o projeto irá focar o humanismo na era das neurociências e da inteligência artificial em três áreas de aplicação: educação, saúde e democracia.
e forma mais prática, a reflexão coletiva entre as partes interessadas desenvolver-se-á em duas etapas, cada uma delas incluindo 1) atividades cara a cara para iniciar a reflexão (workshops de reforço de capacidades), complementadas online com 2) debates digitais com recurso ao software CartoDEBAT.
CartoDEBAT é uma plataforma para promover o dialógo entre cidadãos, desenvolvida por uma empresa de tecnologia cívica, com o contributo de colaborações científicas no âmbito de projetos educativos e estudos de investigação e desenvolvimento ambientais.
No âmbito do projeto NHNAI, a plataforma será usada para agregar os primeiros contributos produzidos nos workshops cara a cara (organizados pelas universidades parceiras em oito países) e dar oportunidade a comunidades maiores de participantes de contribuir online para a reflexão sobre humanismo na era das neurociências e inteligência artificial.
Os contributos gerados em cada debate constituirão um corpus importante, que será analisado por uma equipa de mediadores-analistas. Esta equipa irá utilizar palavras-chave e etiquetas para anotar extratos de texto, de modo a elaborar uma base de conhecimento sobre humanismo e questões éticas associadas na era das neurociências e inteligência artificial. A partir do corpus analisado, será possível elaborar princípios, regras, pistas e hipóteses. Todo este material, recolhido de forma ascendente a partir dos debates com a sociedade, contribuirá para a elaboração e reforço de uma “bússola coletiva” para nos orientarmos melhor na era das neurociências e da inteligência artificial.
A plataforma CartoDEBAT foi inspirada nos trabalhos de Jürgen Habermas sobre debates éticos e na perspetiva de Bruno Latour sobre mapeamento de questões controversas. As imagens ilustram um exemplo elaborado em França, no âmbito de um debate sobre urbanismo e desenvolvimento sustentável (https://cartodebat.fr/cesergrandest).